Quando Danièlle Huillet fala sobre a capacidade que um suspiro tem de abarcar todo um romance, ou quando, no processo de edição fílmica, ela procura o movimento íntimo que nasce de um rosto, é reafirmada toda uma concepção de cinema que prioriza a dimensão do olhar, sua sensibilidade, sua maneira particular de encontrar o mundo e guardá-lo com um carinho próprio, nostálgico, vivo. Sob tais considerações encontramos a resistência de questionamentos que não abandonam a prática cinematográfica, seja na ordem imagética e final de um filme, no domínio autoral e criativo deste, ou mesmo no público que ele encontrará, naqueles que lhe concederão um olhar que não se diz último, mas prosseguidor de uma necessidade, de uma vontade pela sobrevivência.
No desejo de iluminar tais anseios, o ‘pertencimento’ surge como problema central do cinema. Seu deslocamento e desequilíbrio são o que permitem fazer de uma seleção de imagens a configuração de um mundo que se revela o mesmo e outro, um espaço em totalidade. Desde a criação do cinematógrafo, sob as experiências dos irmãos Lumière, estabelece-se um tipo de confronto, entre o mundo e a câmera, que se distancia completamente da apressada sensação de que enfim o mundo poderia ser capturado fidedignamente, pacificamente. Ao contrário, o que temos com os Lumière é a instauração de uma nova dúvida, uma abertura ao estético permeada pelo temor de um encantamento que não se permite pleno, estável.
Já não é possível falar de pertencer. O mundo em jogo altera o estatuto da posse, da condição primeira daquele que é dono, proprietário de algo físico. Com o cinema, o mundo perde a impressão de Continuar lendo