A Pele



Por Thiago Rocha

O diretor Steven Shainberg deixa claro, logo no início, como será o jogo e suas regras: A pele (2006) não é um filme biografia da fotógrafa americana Diane Airbus e sim, uma recriação a partir de fatos de sua vida. Tudo bem. E ele conseguiu fazê-lo. Mas aí eu entro com minhas reservas. Primeiramente, eu achei que seria um filme de direção de arte, de movimentos de câmera interessantes, um filme bem visual e isso ele ensaia no começo, pelo menos até uns vinte minutos de projeção. Depois, ele “perde a mão” e passa a recontar a estória da Bela e a Fera, da Disney. A bela, claro, é a Diane (Nicole Kidman) e a fera é o homem que mora no apartamento em cima do dela, Lionel (Robert Downey Jr), que tem uma doença genética que o deixa com o corpo todo coberto de pêlos (será que vem daí o nome desse personagem fictício: Lionel – lion – leão – juba – pêlos…). A referência com o filme da Disney é muito óbvia, com o vestido azul e tudo da Diane/bela e o fato do monstro ser peludo. Só faltou eles dançarem valsa. Mas aí, o diretor, pelo menos nesse ponto, demonstrou bom senso. Seria apelar demais.

Em momento algum ele se propõe a falar da obra da fotógrafa; não a mostra tirando fotos (só uma no final), confirmando que ele realmente leva até o fim sua proposta inicial, mas, ao mesmo tempo, acabou por perder a oportunidade de ter se apoiado nela para construir uma obra mais consistente. Depois daqueles vinte minutos, o filme é convencional, banal até, contando o relacionamento e afinidades de uma mulher rica, burguesa, com um pobre freak. Acontece que ridiculamente católica, ela se culpa por mostrar o corpo para vizinhos tarados – isso é ser freak?. O filme também revela os problemas que isso causa na família, ambiente na qual ela começa a se sentir uma estranha. Passa, então, a conviver, por influência de Lionel, com seus páreas freaks: anões, siamesas, mulheres sem braço, sem pernas, sem cabeça, gigantes e é com eles que ela se sente bem e começa a mudar sua personalidade. A mensagem do filme, assim como a bela e a fera para as crianças, é descobrir o ser humano no monstro. O que parece ser um recadinho para os que sempre tiveram intolerância e medo com o que lhes é diferente. Os americanos, talvez.

Seu erro não é ser uma não-biografia, mas servir de uma estória infantil e infantilizar as relações humanas e ainda deixar de lado a grande obra da fotógrafa. Um outro filme recente, que também tem uma personagem mulher que até guarda algumas semelhanças com Diane Airbus, mas soube transpor bem a questão da biografia, é o de Maria Antonieta, de Sofia Copolla. Ele não conta a vida da rainha da França como muitos gostariam de tê-lo visto, com fatos que a atrelasse aos princípios da revolução francesa ou dos mitos que cercam sua figura e sim, reconta a partir de uma visão autoral, o que A Pele não soube fazer, porque, muito provavelmente, não existe um autor por trás desse filme. Trata-se de comércio. O que me faz ter quase certeza que esse negócio de Diane Airbus é mesmo um negócio, uma desculpa, um marketing para atrair um público (a nudez de Kidman até comprovaria isso). Lamentável.

6 ideias sobre “A Pele

  1. Fernando Mendonça

    Bem, eu preciso falar!!! Thiago, quero acreditar que você escreveu esse texto um pouco que na paixão do momento, quero dizer, imediatamente após ter assistido o filme. Quero acreditar que um pouco mais de reflexão talvez não lhe fizesse afirmar alguma coisas tão sérias com relação a falta de mérito que ele possa ter. Antes de tudo, concordo que o filme não chega à excelência em nenhum momento, mas há alguns detalhes que merecem ser pensados sobre sua criação e as intenções de Shainberg. Eu também já tinha pensado em escrever algo sobre ele, mas estava esperando uma próxima obra do diretor para tirar melhores conclusões. Como a ocasião é propícia, vou elencar aqui alguns pontos que considero importantes na análise de “A Pele”:
    1. Antes de tudo acho um pouco reducionista demais comparar o filme pura e simplesmente com “A Bela e a Fera” (e somente o filme da Disney). Essa estrutura em comum é perceptivelmente uma recorrência à forma básica das narrativas: o mito. Ela pode ser encontrada em diversas outra criações artísticas da humanidade e para eu não ficar elencando um sem fim de títulos, detenho-me apenas em “O Corcunda de Notre Dame” (também aproveitado pela Disney). A dialética entre belo e feio é uma questão que não se esgota no universo artístico por lidar justamente por aquilo que pode ser considerado a razão de ser do fazer artístico. Se você quer se ater a “A Bela e a Fera”, deve lembrar-se da brilhante criação de Cocteau que problematiza através de toda sua notável estética esse mesmo fio narrativo presente em “A Pele”.
    2. A obra de Shainberg vai além do mito citado ao se aprofundar nessa relação de voyeur que Diane tem para com o mundo e os outros seres vivos. Isso é latente não só na obviedade que a história do filme conta, mas nos muito interessantes ângulos que Shainberg utiliza para captar a própria Diane. Notemos quantas vezes enxergamos o rosto de Nicole Kidman por um buraco encontrado como por milagre dentro do espaço cênico das locações (seja na grade de um portão, pelo olho-mágico da porta, ou até mesmo pelo interior do interfone!!)
    3. Para falar dos méritos de Shainberg começo protestando a sua afirmativa Thiago, de que Esse diretor não é um autor. Como eu disse, estou esperando seu próximo filme para confirmar minhas opiniões, mas se pegarmos esse filme e seu anterior (o subestimado “Secretária”) perceberemos claramente uma ligação temática nos enredos, pois lidamos aí com histórias de amor bizarras e não convencionais, repletas de transgressões e conflitos existenciais que se colocam justamente para questionar o amor existente entre o casal de protagonistas; e o que é melhor, encontraremos coerência nas soluções formais cinemáticas que o diretor propões, quero dizer, ele constrói toda a assimetria dessas relações com imagens perfeitamente simétricas. Em ambos os filmes percebemos o equilíbrio simétrico dos cenários, dos objetos em cena (abajures, móveis, enfeites, etc.), e até mesmo dos atores (perceba bem como ele dispõe a distância entre eles, o campo e contra-campo, e vários dos momentos em que ocorrem os diálogos). Claro, não digo que os filmes sejam assim em toda a duração deles, mas a ocorrência desse equilíbrio é enfática demais para ser um acaso.
    4. Para concluir, quero utilizar as palavras de nossa querida prof. Maria do Carmo Nino. Assisti esse filme com ela na primeira vez, e afirmo que ela estava muito ansiosa por vê-lo justamente por ser grande admiradora de Diane. Quando lhe perguntei o que ela achou na fidelidade à obra da fotógrafa (pois até então eu não a conhecia), ela disse ter sido impressionante a forma como o diretor conseguiu captar a essência das fotografias da artista. Há momentos no filme em que as fotografias surgem em pleno movimento cinematográfico, sem que o público realmente saiba disso. Assim, esses detalhes do filme são para os já iniciados na obra de Diane, o que prova não haver lá muita gratuidade comercial em sua apresentação.
    Enfim, concordo que “Secretária” seja melhor (principalmente no desfecho, que em “A Pele” fiocu melodramático demais), concordo que existam alguns pontos no filme mercadológicos (a nudez de Nicole, o sexo entre eles), mas não posso me calar e aceitar sua acusação de que Shainberg não seja um autor. Assim deixo ditas as idéias centrais de minhas opiniões, e permaneço no aguardo da próxima obra dele para aprofundar outras considerações.

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  2. Santiago

    O fato de haver depilação antes do sexo é que tira coerência da história, uma vez que o diferente é o que a atraí. Se nào, ele ficaria com o marido e a familia classe média. Mais normal impossível!

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